Aposentadoria compulsória e demissão de juízes - artigo de autoria do juiz MARCOS JOSÉ VIEIRA

Rômulo Cardoso Segunda, 31 Outubro 2016

Aposentadoria compulsória e demissão de juízes - artigo de autoria do juiz MARCOS JOSÉ VIEIRA

 

OPINIÃO - artigo do juiz Marcos José Vieira, publicado na edição do dia 29 de outubro da Folha de Londrina. 

 

Juízes vitalícios e independentes só são temidos por regimes menos afeitos às práticas democráticas

O presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros, incomodado com o andamento de investigações e em retaliação à prisão de membros da Polícia do Senado ordenada por um juiz de primeira instância, passou a defender publicamente algumas medidas polêmicas. Uma delas é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 89/2003, já aprovada no Senado e atualmente em trâmite na Câmara Federal. Por meio dela, busca-se alterar o artigo 93 da Constituição, a fim de permitir que juízes sejam demitidos de seus cargos após processo administrativo. Proponho-me, pois, a passar em revista algumas afirmações que comumente se fazem sobre esse tema, desconstruindo os mitos que as cercam. 



Muito se discute sobre a chamada "aposentadoria compulsória", pena máxima que se pode aplicar em processo administrativo aberto contra magistrados. Para que você, leitor, forme uma opinião esclarecida sobre o assunto (seja ela qual for), peço-lhe que reflita sobre os três pontos que adiante resumirei: 

 


1º) A instauração do processo administrativo contra o magistrado não impede sejam propostas em paralelo as ações criminais e de improbidade administrativa, ao fim das quais, se condenado, poderá ele, sim, perder o cargo. É um erro gritante, portanto, supor que o juiz que pratica crime grave esteja imune à demissão! 

 


2º) Mesmo a aposentadoria compulsória, aplicada no processo administrativo como pena disciplinar, é concedida com proventos proporcionais, e não integrais. Em outras palavras, o juiz receberá o valor da aposentadoria proporcional ao tempo em que pagou as contribuições previdenciárias. 

 


3º) A impossibilidade de se demitir juízes por simples processo administrativo encontra justificativa na garantia da vitaliciedade que a Constituição concede não só à magistratura, mas sobretudo à sociedade. Eis aqui o nervo da questão: sob a ameaça de ser demitido por uma singela decisão da burocracia estatal, o juiz estaria sujeito a toda sorte de pressões externas que poderiam minar a sua independência e imparcialidade no momento de julgar. Imagine, caro leitor, que você se envolva em um processo judicial considerado a causa de sua vida, no qual estejam em jogo a sua liberdade, os seus filhos, a sua sobrevivência alimentar, a sua honra ou o seu patrimônio. Suponha, mais, que seu adversário, sendo uma pessoa influente no círculo político, passe a se valer do poder de intimidação para interferir no conteúdo do julgamento. Eu lhe pergunto: que tipo de juiz você gostaria fosse encarregado de julgar esse processo? O que, seguro de sua vitaliciedade, não cederia a pressões? Ou aquele juiz amedrontado a que me referi linhas acima? 



A vitaliciedade da magistratura foi garantida por todas as nossas Constituições, desde a do Império até a atual de 1988. Juízes vitalícios e independentes só são temidos por regimes menos afeitos às práticas democráticas. Não por outro motivo, não preveem semelhante garantia as constituições venezuelana, boliviana e hondurenha, nem a previram as constituições dos países do bloco socialista do leste europeu. Aqui mesmo no Brasil, por razões que dispensam explicação, houve a suspensão da vitaliciedade dos juízes no período mais crítico da repressão militar (AI 7, de 26/2/1969). 



Relembro, a propósito, as palavras de Hamilton ("O Federalista"), um dos arquitetos da longeva Constituição norte-americana, escritas há mais de 200 anos: "... todos os juízes nomeados pelos Estados Unidos devem ser inamovíveis e não podem perder os seus empregos senão por sentença que os declare indignos dele". 



Caberá à Câmara Federal, que tem a PEC 89/2003 sob seu exame, dizer que Judiciário queremos para nós e para as futuras gerações. E você, de que lado está? 



MARCOS JOSÉ VIEIRA é juiz da 1a Vara da Fazenda Pública de Londrina 



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