Juiz José Ricardo Alvarez Vianna fala à AMAPAR sobre livro que trata do “erro judiciário”
Rômulo Cardoso Quinta, 24 Janeiro 2019
Para leigos de plantão, ou críticos desarrazoados, o instituto do “erro judiciário” pode estar condicionado, apenas, à atuação equivocada de um magistrado ao julgar determinada causa e a consequente responsabilização civil.
Com o intuito de contribuir com a doutrina, o magistrado José Ricardo Alvarez Vianna, que atua em Londrina, apresenta o livro Erro Judiciário e Sua Responsabilidade Civil (editora Malheiros), onde fornece contribuição doutrinária sobre o tema, além de pautar a entrevista a seguir.
O juiz explica na conversa estabelecida com a assessoria de imprensa da AMAPAR que a obra traz conceito jurídico – e objetivo – para o erro judiciário, além de tratar de uma série de assuntos correlatos.
A ideia para a consecução do livro partiu da tese de doutorado apresentada pelo magistrado e o inconformismo de como a responsabilidade civil do Judiciário vem sendo tratada por alguns segmentos da doutrina e mesmo pela jurisprudência.
“Se houver alargamento demasiado da responsabilidade civil jurisdicional, teremos cada vez mais juízes temerosos e inseguros em atuar. Assim, a obra não tem conteúdo autocrítico”, explica.
Confira abaixo a entrevista.
AMAPAR - Dr. José Ricardo, uma pergunta praxe, mas essencial para iniciarmos a conversa. Ao atuar como magistrado, como nasceu a ideia de publicar um livro que pode soar até como autocrítica à atuação de um determinado profissional da toga? A obra é direcionada a quais profissionais?
José Ricardo Alvarez Vianna - Trata-se de minha tese de doutorado junto à Universidade Clássica de Lisboa. A ideia surgiu do inconformismo de como a responsabilidade civil do Judiciário vem sendo tratada por alguns segmentos da doutrina e mesmo pela jurisprudência. Por vezes, afirma-se a responsabilidade civil objetiva do Judiciário sem medir as consequências do que isto pode representar ao Erário, ao juiz e mesmo à sociedade. Se houver alargamento demasiado da responsabilidade civil jurisdicional, teremos cada vez mais juízes temerosos e inseguros em atuar. Assim, a obra não tem conteúdo autocrítico. O objetivo foi conciliar o binômio “responsabilidade-independência”, mediante parâmetros consistentes e coesos.
Para tanto, sustenta-se que a responsabilidade civil pela prestação jurisdicional não é objetiva nem subjetiva. É específica. Está condicionada à demonstração do erro judiciário, a partir de uma interpretação sistemática e finalística dos arts. 37, § 6º, e 5º, inc. LXXV, da CF/88.
Isto, porém, nos remete a outra questão: o que é erro judiciário?
Foi isto que busquei responder ao longo do trabalho. Dessa forma, erro judiciário não será mero ponto de vista ou decorrência de construções argumentativas. Afinal, a mera possibilidade de solução diversa para a causa não pode alicerçar a ideia de que determinada decisão judicial está errada e enseja indenização. Isto seria temerário e absurdo.
Erro judiciário é um conceito jurídico e, como tal, pressupõe elementos próprios para sua configuração.
Em suma, o livro fornece esse conceito jurídico – e objetivo – para erro judiciário, além de tratar de uma série de assuntos correlatos. Dirige-se, portanto, à comunidade jurídica em geral.
AMAPAR - Temos na Justiça e no Direito a liberdade como o maior valor humano – ou um dos maiores. Como lidar com questões tão complexas, enquanto magistrado, em um primeiro momento de cercear a liberdade de um determinado indivíduo, e no segundo momento – quando ocorrer o erro judicial – de indenizar o erro judiciário?
Nestes termos, a interpretação do texto contido nas fontes jurídicas – leis etc. – será realizada a partir do contexto fático respectivo. Nisto reside o importante papel social do juiz. Intermediário entre normas gerais e abstratas e a realidade da vida; alguém com a incumbência de restabelecer o equilíbrio então abalado entre os litigantes.
A propósito, na ideia de equilíbrio está a ideia de balança e, nesta, a de justiça. Por isso, direito, juiz e justiça são indissociáveis.
Nesse contexto, a existência de um conceito jurídico para o erro judiciário se afigura importantíssimo; acredito. Se o juiz tem claro, em sua atuação, o espaço por onde pode e por onde não pode transitar para não incorrer em erro, por certo isto contribuirá para uma prestação jurisdicional efetiva e justa; conciliando o respeito e a concretização de direitos, concomitantemente.
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"A mera possibilidade de solução diversa para a causa não pode
alicerçar a ideia de que determinada decisão judicial está errada e
enseja indenização. Isto seria temerário e absurdo"
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AMAPAR - Por mais que o magistrado seja preparado e vocacionado, como uma regra e a má interpretação principiológica podem provocar um erro judiciário?
José Ricardo Alvarez Vianna - Há uma escritora francesa, chamada Anais Nïn, que diz: “não vemos o mundo como ele , e sim como nós somos”. Na filosofia, Protágoras assinalou: "o homem é a medida de todas as coisas”. O que quero dizer é que cada um vê um mundo diferente e esta diferença advém de nossa biografia. Aliado a isso, o Direito trabalha basicamente com palavras e estas trazem em si o signo da vagueza e da ambiguidade. Este é o motivo pelo qual, ainda hoje, não sabemos bem que é dano moral, muito menos o que seja “mero dissabor decorrente do quotidiano”. Não sabemos sequer o que venha a ser dignidade da pessoa humana, que, para alguns, não se confunde com dignidade humana.
Essa volatilidade em atribuir sentido ao mundo e à vida, bem como a ausência de contornos inequívocos nas palavras contribuem para interpretações jurídicas díspares e até conflitantes.
Isto, a meu ver, apenas reforça a necessidade de uma demarcação forte do que pode e do que não pode ser considerado erro judiciário, na acepção jurídica do vocábulo. Trata-se de uma cercania que deve ser clara, firme e com características bem visíveis. A não ser assim, a cor branca pode não ser branca; e a cor preta, pode não ser preta. Basta eu dizer que o preto é a ausência de cor, é a não cor. E o branco, é a soma de todas as cores; o branco em si não existe.
Enfim, o conceito de erro judiciário teria a finalidade de evitar manipulações de linguagem e reconstruções direcionadas de significados na seara jurídica.
AMAPAR - Quanto ao erro de fato, o quanto ele pode sofrer influência, ou ser estimulado, pelo mau aparelhamento e estrutura para que se apresente uma prova judicial em um determinado processo?
José Ricardo Alvarez Vianna - Essa pergunta é mais complexa do que parece. Digo isto porque, de modo geral, estuda-se muito a interpretação do Direito (hermenêutica jurídica) e quase nada a interpretação dos fatos. Porém, a interpretação dos fatos é tão importante quanto a interpretação de textos jurídicos. Sim, porque, a bem ver, não existe a separação entre questão de fato e questão de direito. Toda questão jurídica envolve texto (fontes do direito) e contexto fático. Não há direito sem fato. A norma jurídica em si é potencial, hipotética e abstrata. Só incide com o fato.
Isto demonstra como ainda precisamos avançar para realmente chegarmos a uma genuína ciência jurídica. Porém, isto é muito difícil no estágio atual do conhecimento. Sim, porque pressupõe, dentre outros, estudos transdisciplinares entre direito e neurociência, só que esta aproximação sequer está em seu estágio embrionário.
Por isso, no livro, eu sustento que o erro de fato é erro no exame da prova do fato. Logo, só haverá erro “de fato” se o juiz colidir frontalmente com material probatório dos autos. Com isso, o juiz não tem o dever de ter bola de cristal e desvelar a verdade – questão filosófica, inclusive –, tampouco ler o mundo de maneira unívoca ou matemática. O juiz tem o dever de ser diligente no exame do material probatório, valendo-se da teoria das provas a orientar sua decisão. Tem o dever, ainda, de apontar na decisão de quais provas extraiu suas conclusões sobre os fatos debatidos. Se fizer isto, tecnicamente, não incorrerá em erro judiciário de fato.