Cresce o debate pela possibilidade de permuta entre juízes de diferentes estados

Rômulo Cardoso Terça, 01 Setembro 2015

Cresce o debate pela possibilidade de permuta entre juízes de diferentes estados

A adesão à possibilidade da permuta de juízes entre estados tem aumentado no universo que conjuga a magistratura brasileira, onde o assunto tem sido colocado em mesa e ganhado corpo significativo. Reuniões de representantes das associações de magistrados atuantes no país e a internet contribuem para o amadurecimento da questão, como os diversos grupos de discussão em que profissionais da toga opinam frequentemente sobre o tema.

Para fortalecer o debate e também permitir de forma regrada a permuta entre juízes que desejarem atuar em outros estados, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) reuniu no mês de agosto o conselho de representantes onde o assunto foi amplamente discutido. O encontro resultou, por parte de sugestão apresentada pela Associação dos Magistrados do Paraná (AMAPAR) e Associação dos Magistrados Sergipanos (AMASE), na formulação de um pedido de providências que já foi protocolado pela AMB junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o órgão edite resolução onde disporá sobre as regras para a permuta.

DE VOLTA PARA CASA

Fiel aos princípios que guiam a magistratura, a juíza Branca Bernardi, da comarca de Barracão, tem acompanhado assiduamente as agruras de colegas de outros estados que pretendem retornar à convivência de familiares e pessoas mais próximas, com a consequente volta às origens.

Branca nasceu no Paraná, fincou raízes e cultivou grande reputação na comarca de Barracão, que fica na região Sudoeste, onde atua desde 2003. Não pretende deixar o estado, mas é grande apoiadora dos colegas que hoje estão distantes de familiares e que sonham em voltar para casa. “Os juízes que trabalham em um estado e mantêm a família em outro estado, vivem com o coração dividido. De um lado a imensa alegria da realização profissional, a aprovação em um concurso tão importante como é o nosso concurso da magistratura; e, de outro lado, a dor e a solidão imensas, de não compartilhar, de não dividir a vida, o cobertor, o pôr do sol, o dia a dia, as alegrias simples do convívio familiar”, afirma a magistrada.

Ao participar de grupos de debate sobre o tema, também na internet, Branca prevê que a aprovação da resolução que dite as regras para a permuta resultará em uma vitória coletiva da magistratura, como já ocorre com juízes federais e do trabalho. “Com a resolução De volta para casa estamos seguros, como juízes, de que nossa felicidade, ao lado das pessoas amadas, sempre será possível e admitida por nossa ordem jurídica”, explica.

CARÁTER NACIONAL

Para o presidente da Associação dos Magistrados do Sergipe, Gustavo Plech, que ao lado da AMAPAR sugeriu a formulação de providências para regulamentar a questão junto ao CNJ, o debate ganha ponto convergente ao lembrar que a magistratura possui caráter nacional. “Existem decisões, inclusive no STF, que reconhecem o caráter nacional da magistratura. Embora tenhamos hoje a justiça federal e estadual, a noção que se tem é de uma única magistratura, daí porque o caráter nacional da magistratura”, lembra.

Gustavo também afirma que a permuta resultará em ganhos profissionais para o juiz e também aos jurisdicionados. “A permuta é boa para a pessoa e para o Judiciário, pois o juiz trabalhará mais satisfeito e produzirá ainda mais. Não vejo nenhum ponto que possa resultar em prejuízo ao Judiciário, ou que funcione como um impeditivo. Eu estimo que mais de mil colegas estejam nessa situação, ao desejarem a permuta e voltar aos seus estados ”, comenta.

REGRAS

Com a apresentação do pedido de providências junto ao CNJ, para possibilitar a permuta entre estados, alguns pontos foram sugeridos para que resulte em uma resolução satisfatória e sem quaisquer entraves. A comprovação de vitaliciedade, de não haver acúmulo injustificado de processos conclusos ou penalidades e advertências no último ano estão entre os pontos a serem observados.

Também foi sugerida a observância ao tempo de carreira, idade e existência de prole nos locais desejados na permuta. Aos Tribunais de Justiça será preservada a autonomia em aceitar ou recusar troca recíproca dos juízes. Uma lista nacional também está entre as sugestões apresentadas para organização das permutas.

RELATOS

Ao contribuir com a presente matéria, a juíza Branca Bernardi entrou em contato com alguns magistrados que desejam permutar com outros colegas. Os desejos são comuns e o sentimento também – de voltarem para a casa e ao carinho de familiares.

Confira o relato de Luciana Vidal Pellegrino Kredens.

“Meu nome é Luciana (TJGO). Nascida e criada em Curitiba (PR), assim como meu marido, Daniel Pellegrino Kredens (TJRS). Conheci meu marido aos 22 anos, e estamos juntos dede então. Lá se vão quase 11 anos.

Passamos por toda a fase de término de faculdade, monografia, juntos. Iniciamos então a luta pela magistratura, nosso sonho desde a faculdade. Estudamos por muitos anos, muitos mesmo, tantos que prefiro não nominar. Um apoiando o outro, não deixando que desistisse; afinal, era o que queríamos para nossa vida...

Inúmeros foram os finais de semana, feriados, festas de família, casamentos, confraternizações, em que não comparecemos, pois o nosso foco era total e sabíamos que não seria fácil. O combinado era que, quando um passasse, o outro iria junto, e então só tentaria concurso naquele Estado. Mas a vida não é tão simples quanto a gente planeja...

Chegamos à tão sonhada prova oral da magistratura ao mesmo tempo: eu em Goiás, ele no Rio Grande do Sul. O meu concurso transcorreu de forma mais ágil, passei, e nos mudamos para Goiás.

Cerca de quatro meses depois, Daniel fez a prova dele e, como já esperado, passou em sétimo lugar! E todos os nossos planos de carreira, embora concretizados, faziam desabar os planos de vida do casal!

Hoje, fico dividida entre a alegria do exercício da profissão, pela qual me apaixonei, e a tristeza pela ausência de convívio diário com o meu parceiro de vida. Nos vemos a cada 15/20 dias, isso quando os plantões e das demais exigências da profissão permitem. Para isso eu enfrento cerca de 250 km de estrada, e 5 horas em média de voo, pois não há voo direto de Goiânia para Porto Alegre.

E ainda temos as nossas famílias, moram todos em Curitiba. São pais, irmãos, sobrinhos, pessoas amadas. Não estava lá quando minhas sobrinhas mais novas nasceram, nem quando fizeram um ano. Faço ligações, dessas com áudio e vídeo, para que elas tenham algum convívio comigo, correndo o risco de não me reconhecerem quando forem maiores... A distância é grande, e estando cada um em um Estado, às vezes parece impossível conciliar. Novamente, eu fico dividida, não estou aqui, nem lá...

A permuta, quando concretizada, possibilitará a união dessa família, trazendo a moradia conjunta do casal, e a visitação frequente aos entes amados, tornando tudo mais fácil e o fardo da carreira menos pesado.

Todos que são magistrados sabem as dificuldades pelas quais passamos... tente somar a isso o fato de estar sozinha, a mais de 2 mil km de casa. E considere que, em algum lugar do País, tem alguém nas mesmas condições, que será mais feliz e realizado com a concretização da permuta. Não havendo qualquer prejuízo ao interesse público, a  permuta é a solução mais adequada para a realização do sonho de centenas de magistrados e suas famílias País afora!".

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Confira o relato de Vanessa Serafim, juíza no Sergipe.

"Me chamo Vanessa Serafim. Atualmente juíza substituta no TJSE. Pretendo permutar para TJPB ou TJRN.

A aprovação no TJSE se deu através de muita dedicação e uma absurda vontade de exercer a magistratura, carreira com a qual me identifiquei desde a faculdade, tendo estagiado ao lado de juízes desde o terceiro ano de Direito.

Meu esposo, também formado em Direito, conseguiu aprovação na Defensoria Pública do estado do RN, onde atua desde o ano de 2008.

Nossa família é da Paraíba, estado vizinho. A dificuldade em lograr êxito em carreiras tão valorosas nos encorajou a tentar contornar a distância, realizando nossos sonhos profissionais em estados diferentes. Tomar posse no TJSE, em 2013, foi a decisão mais difícil de toda minha vida. Custou-me noites de sono e um dilema que jamais havia experimentado. Decidi ir, seguindo a razão e a vontade de colher os frutos de tanto esforço pessoal dedicado ao certame anos antes.

Após dois anos e meio de exercício, sinto-me realizada profissionalmente. Trabalho num tribunal maravilhoso, tanto quanto outros pelo país. Mas ao longo desse período já sofri bastante em prol do trabalho que amo, por desfrutar de uma rotina solitária, sem perspectiva de, progredindo na carreira, chegar mais perto do meu núcleo familiar.

Acredito que algumas decisões em favor da carreira profissional podem comprometer vários aspectos da vida pessoal, mas o arrependimento ainda não me passa pela cabeça, por ter conseguido, com a decisão de “ir", afastar de mim, não só a adorada família, o que me angustia diariamente, mas também a frustração por não ter tentado, o medo de conviver com o insucesso profissional e de ter jogado fora a oportunidade arduamente conquistada de realizar um sonho, o que seria tão perturbador quanto. Decerto que apenas quem se vê em situações semelhantes pode compreender com exatidão o significado disso: o eterno dilema entre a vida pessoal e profissional. Como se houvesse uma maneira perfeita de dissociá-las!

A possibilidade de retornar ao convívio familiar, me traria qualidade de vida e a possibilidade extraordinária de exercer minha carreira, tão arduamente conquistada, com tranquilidade, dedicando-me ao mister, sem dúvida, com o coração acalentado pela certeza de estar mais próxima dos que me amparam, sem carregar a culpa, que hoje me aflige, de ter optado por exercer uma carreira profissional.

É preciso que se diga que a decisão de estar longe, nos dias difíceis que atravessamos, com parcas oportunidades de êxito profissional, quase não é mais uma opção, porquanto a dificuldade de aprovação no próprio estado é uma realidade que todos que se dedicam a concursos públicos enfrentam. Não há como fechar os olhos para um comportamento cada vez mais comum entre concurseiros do país, que é o de se deslocar para buscar o sucesso em diversos estados.

Com a mesma intensidade que os pretendentes às carreiras federais o fazem, também os que anseiam as carreiras estaduais percorrem o país, não havendo como sustentar, ainda hoje, uma diferenciação de tratamento entre profissionais pertencentes a uma mesma carreira.

Terei um bebê em menos de um mês, será meu primeiro filho, resultante do amor de dois profissionais de Direito que tem resistido à distância, mas que alimentam o sonho de poderem conviver novamente e exercerem a profissão eleita com o coração acalentado pela certeza de que poderão acompanhar juntos o desenvolvimento do bem em comum mais precioso.

A possibilidade de permuta entre magistrados estaduais nos proporcionaria bem mais do que uma simples movimentação na carreira!".

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