Democracia e magistratura: independência - por Luciano Carrasco Falavinha Souza

Rômulo Cardoso Quarta, 29 Setembro 2021

Não estou aqui a questionar a justificativa legislativa para a adoção da reforma, afinal de contas, a ninguém é dado se opor à tentativa de modernizar o Estado ou aproximar o serviço público da realidade do País – tal como se aponta na proposta da Emenda Constitucional 32/20. Desejo apontar, unicamente, incongruências técnicas, formais e políticas da Emenda, resultando na sua incompatibilidade com a sociedade civil e com a própria Carta Magna.

 

Em primeiro lugar, é certo que a Emenda tem por objeto apenas e tão somente as disposições relativas a servidores e empregados públicos, razão pela qual os juízes estão excluídos da reforma, eis que esses são agentes públicos. Com efeito. A regra é clara, na medida em que servidor público é aquele que ocupa cargo público mediante aprovação em concurso público ou cargo em comissão, estando sujeito, nas suas funções, ao poder hierárquico.

 

De outra parte, agente político – aí se incluem os juízes – se caracteriza pelo exercício das atividades básicas estatais (administrar, legislar e julgar), sujeitando-se a regime jurídico diferenciado que lhe assegure a independência funcional: sua função exige essa garantia da sociedade, a fim de que julgue de maneira independente todos os casos que lhe são submetidos. Para exame dessa matéria é oportuno rememorar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 228.977, e o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial 1.191.613/MG, foram claros ao enquadrar os juízes como agentes políticos.

 

Já no que concerne à independência, é inegável que foi ao Poder Judiciário que coube a atribuição de substituir a vontade das partes para solucionar os conflitos de interesses, com força de definitividade. Por essa função – que não objetiva e nem poderia ter a preocupação de gerar votos, diga-se de passagem – a atuação do Poder Judiciário ganha proteção constitucional, a fim de que possa atuar com autonomia e independência.

 

Nessa medida, e essa parece ser uma das importantes consequências dessa independência e necessária imparcialidade, assegura-se aos juízes a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios, impondo-lhes vedações, tais como exercer a atividade político partidária, receber custas ou participação em processo ou receber contribuições de quaisquer das partes, dentre outras.

 

Nesse contexto, para ficar num só exemplo, imagine-se o que aconteceria com os integrantes da operação “Lava-Jato” se não tivessem tais garantias… Verifica-se, assim, diante da preocupação constitucional, que as matérias relacionadas à organização e administração do Poder Judiciário estão reservadas à iniciativa legislativa exclusiva do Poder Judiciário.

 

Por isso, não se admite a utilização de emenda à Constituição como forma de superar, por via transversa, as regras de iniciativa privativa, sob pena de invasão dos poderes, conforme já lembrava os ministros Teori Zavascki (ADI-MC 5296/DF) e Alexandre de Moraes (ADI 5211).

 

É tão forte essa previsão que não se pode olvidar a decisão do ministro Joaquim Barbosa que concedeu a liminar na ADI 5017/DF, impedindo a criação de novos Tribunais Regionais Federais por meio da Emenda Constitucional de iniciativa parlamentar.

 

Desse modo, não podem ser desconsideradas as limitações técnicas legislativas e políticas que subordinam à atuação das Emendas Constitucionais quanto ao atendimento incondicional da separação de poderes, especialmente a independência dos juízes.

 

Enfim, deve ser lembrado que no Brasil são mais de 10 milhões os servidores públicos, ao passo que os juízes são pouco mais de 17 mil, tamanha a especificidade da atividade. Conclui-se, portanto, que a PEC 32/20 não pode afetar juízes e promotores, sob pena de indiscutível violação à separação dos poderes, garantindo-se assim a verdadeira democracia.

 

*Luciano Carrasco Falavinha Souza, vice-presidente da Associação de Assistência Médico-Hospitalar dos Magistrados do Estado do Paraná (Judicemed) e Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - TJPR.

 

*Artigo publicado no dia 28 de setembro no jornal Gazeta do Povo. 

 

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