Juíza Maria Lúcia Espíndola fala das premissas que guiam o seu trabalho, há mais de 10 anos, na vara de adoção de Curitiba

Rômulo Cardoso Quarta, 06 Fevereiro 2019

Juíza Maria Lúcia Espíndola fala das premissas que guiam o seu trabalho, há mais de 10 anos, na vara de adoção de Curitiba

Adoção é pauta recorrente, principalmente quando as informações trazidas pelas fontes estão inclinadas ao bem-estar da criança. Envolta neste princípio basilar a juíza Maria Lúcia de Paula Espíndola procura conduzir os trabalhos da 2a vara da Infância e da Juventude e Adoção de Curitiba e concedeu entrevista à AMAPAR.

 

Há mais de 10 anos à frente dos processos de adoção em Curitiba, a magistrada procura se guiar pelo superior interesse da criança, como afirmou, mas, sem descuidar da grande responsabilidade que adotantes devem ter diante da decisão de adotar.

 

“Um filho adotivo é gestado dentro do coração da pessoa que decide ser seu pai ou sua mãe. Mas essa escolha precisa ser consciente, responsável e não pode decorrer de mero entusiasmo ou da necessidade de satisfação do próprio ego”, apregoa a juíza.

 

Na entrevista a seguir a magistrada também fala da antecipação do estágio de convivência e sobre a estrutura do sistema de adoção no Estado, entre outros assuntos.

 

Boa leitura !

 

Como equalizar um processo célere de adoção com a segurança para futuros pais e filhos ?

 

Maria Lúcia - Em qualquer matéria que envolva adoção, a prioridade deve ser sempre o bem-estar da criança. Essa é a premissa de interpretação que informa todas as minhas decisões no Juízo em que atuo. O superior interesse da criança se sobrepõe a qualquer outro interesse, nos termos do artigo 227 da Constituição.

 

Isso não significa menoscabar a atenção que também se deve ter com os interessados que se inscrevem no cadastro de adotantes.

 

São duas faces da mesma realidade. De um lado, uma criança ou adolescente que aguarda ser recebido pelos braços de uma família; e do outro, uma pessoa ou casal habilitado que acalenta o sonho de exercer a filiação.

 

Não há fórmulas prontas que possam garantir um processo de adoção sempre perfeito e insuscetível de vicissitudes.

 

Mas os riscos podem ser reduzidos. Para tanto, valorizo muito a devida preparação e a capacitação das pessoas interessadas em adotar. Elas precisam conhecer e aprender a enfrentar, durante o processo de habilitação, todas as dificuldades que possam surgir no momento em que forem indicadas a adotar.

 

Um filho adotivo é gestado dentro do coração da pessoa que decide ser seu pai ou sua mãe. Mas essa escolha precisa ser consciente, responsável e não pode decorrer de mero entusiasmo ou da necessidade de satisfação do próprio ego.

 

Não basta se sentir afeiçoado ou compadecido por uma criança para desejar adotá-la, por mais nobre que seja essa intenção. É preciso ir além, preparar-se, ter a motivação adequada e saber que quem ama não busca nada em troca.

 

Na etapa da indicação da pessoa ou casal habilitado, também procuro examinar com prudência e cautela o caso concreto de cada criança ou adolescente acolhido, sobremodo nas hipóteses em que ainda não houve o trânsito em julgado da sentença de procedência proferida no processo de destituição do poder familiar.

 

Assim, posso alcançar a segurança e a celeridade que se almejam nos processos de adoção, evitando que se eternize o acolhimento institucional de uma criança ou adolescente.

 

Como avalia a importância da antecipação do estágio de convivência para que a adoção seja estabelecida definitivamente ?

 

Maria Lúcia -  O estágio de convivência antecede a adoção e permite avaliar se a pessoa ou casal indicado integrará de forma adequada e harmoniosa a criança ou adolescente a sua família, mediante a formação de laços afetivos recíprocos.

 

A antecipação desse período de aproximação pode se revelar decisivo à adoção.

 

O tempo passa muito mais rápido para uma criança acolhida institucionalmente. Ela não pode esperar. Cada ano que se completa diminui suas possibilidades de crescer no seio de uma família.

 

Essa situação é delicada, mas felizmente a sociedade civil começou a enxergar as crianças e adolescentes acolhidos com a importância e a atenção que elas merecem. Exemplo disso são as alterações promovidas pelas Leis nº 12010/2009 e nº 13509/2017, que modernizaram o Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim de abreviar o período de acolhimento institucional.

 

Duas mudanças significativas são a limitação do prazo em 18 meses para a permanência de uma criança ou adolescente em uma instituição de acolhimento (artigo 19, § 2º) e a possibilidade de serem cadastrados para adoção neonatos e crianças acolhidas que não forem procuradas em até 30 dias por suas famílias (art. 19-A, § 10).

 

A leitura dessas alterações, à luz dos princípios constitucionais da prioridade absoluta e da proteção integral, permitiu a interpretação de que o estágio de convivência pode ser iniciado antes mesmo de passar em julgado a sentença de procedência prolatada na ação de destituição do poder familiar.

 

A opção por essa ação é sempre residual e seu ajuizamento somente ocorre quando o Ministério Público constata ser inviável a reintegração da criança ou adolescente a sua família biológica. Nas hipóteses de antecipação do estágio de convivência antes de finalizada a ação de destituição do poder familiar, poderia haver o questionamento de que o quadro não seria definitivo, ou que poderia haver uma reversão com sofrimento para as partes envolvidas.

Posso afirmar que o maior trauma para uma criança é perder a chance de ter pais afetuosos e se ver compelida a crescer e formar sua personalidade em uma unidade institucional. É claro que cada caso concreto precisa ser devidamente examinado. Mas se há notória incapacidade dos pais e da família extensa em receber aquela criança acolhida, nada mais plausível, conforme se infere do artigo 163 do ECA, do que permitir a uma criança ou adolescente acolhido a possibilidade de receber o amor e o carinho diários que apenas uma família poderia lhe proporcionar.

 

Resposta praxe, em matérias e entrevistas relacionadas à adoção, está balizada no melhor interesse das crianças. Como aplicar tal princípio ?

 

Maria Lúcia - O princípio do melhor interesse da criança deve se refletir em atitudes concretas. Apenas teorizar não mudará a realidade. É preciso conferir maior destaque na agenda do Executivo às políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente.

 

Observo que o Poder Judiciário vem cumprindo seu papel de forma cada vez mais eficiente. A renovação diária do compromisso com a celeridade dos processos é indispensável. As Varas da Infância estão sendo progressivamente melhor estruturadas. A conduta do magistrado também precisa ser proativa e sua participação, dentro do âmbito de suas atribuições legais, deve estar voltada à concretização dos direitos constitucionais assegurados às crianças e adolescentes.

 

A sociedade em geral, a comunidade e a família também têm o dever de priorizar a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, conforme previsto no artigo 4º do ECA. O caminho a percorrer ainda é longo e só será feito caminhando.

 

Ainda sobre a imprensa. Notadamente a adoção é pauta constante para internet, jornais e afins. Qual avaliação faz da abordagem de jornalistas, aliada à importância do jornalismo, para esclarecer o sistema de adoção no país. Considera equívocos ?

 

Maria Lúcia - Em uma democracia, a imprensa possui um papel fundamental de difundir a informação e levar os cidadãos a refletir sobre temas importantes. Sem a imprensa, fatos que deveríamos conhecer ficariam anônimos. Posso dizer que transmitir informações precisas e fazer pensar são os objetivos do bom jornalismo.

 

A adoção vem sendo cada vez mais debatida em nossa sociedade. As mídias sociais e a internet, muitas vezes, podem disseminar informações incorretas. O jornalismo deve ser a fonte segura para consulta dessas informações. Os jornalistas além de comunicar são responsáveis por traduzir informações. Por isso, o estudo e o aprofundamento devem ser constantes, especialmente em questões complexas como a adoção.

 

Somente com boa informação podem ser superados os estereótipos e afastados os mitos e os preconceitos que ainda cercam esse tema. De outro lado, matérias jornalísticas superficiais, ou pouco precisas, acabam reforçando velhos tabus e visões distorcidas sobre a adoção.Deveria constituir uma pauta frequente nos órgãos de imprensa o tema das crianças e adolescentes acolhidos. Falta mais visibilidade a eles. Os nossos olhos devem estar voltados para essa realidade e temos que estar cientes de nossa responsabilidade em redimi-la. Não podemos nos acomodar.

 

Qual avaliação faz da atual estrutura, como o acesso às informações para jurisdicionados, corpo técnico disponível nas varas de adoção e assessoramento, com o intuito de que a tramitação dos processos de adoção seja célere, mas com segurança para crianças, adolescentes e futuros pais ?

 

Maria Lúcia -  Só tenho a elogiar a evolução que nos últimos anos observei na Vara da Infância e da Juventude e Adoção em que sou titular. Tivemos melhoria de nossas instalações, de nosso maquinário, de nosso corpo funcional em termos, haja vista que a equipe multidisciplinar está defasada numericamente, por conta de aposentadorias e relotações para outros Juízos. Sempre há o que melhorar e o diálogo para esse aperfeiçoamento deve ser contínuo.

 

As informações sobre adoção foram disponibilizadas no site do Tribunal de Justiça do Paraná de forma ampla e acessível a qualquer interessado. Também projetos interessantes foram desenvolvidos, como a criação do aplicativo A.DOT para smartphones, que facilita a adoção de crianças e adolescentes acolhidos e sem pretendentes habilitados no Cadastro Nacional de Adoção (CNA).

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