Presidente da AMAPAR publica artigo no Blog do Fred, da Folha de S. Paulo, com críticas à PEC da desvinculação dos subsídios

Rômulo Cardoso Segunda, 05 Dezembro 2016

Presidente da AMAPAR publica artigo no Blog do Fred, da Folha de S. Paulo, com críticas à PEC da desvinculação dos subsídios

Sob o título original "A despretensiosa desvinculação dos subsídios", o artigo de autoria do presidente da AMAPAR, Frederico Mendes Junior, ganhou destaque nesta segunda-feira, dia 5, no Blog do Fred, hospedado pela Folha de S. Paulo e que é comandado pelo jornalista Frederico Vasconcelos.

 

O texto do representante dos magistrados que atuam no Judiciário paranaense traz críticas à PEC 62/2015, de autoria da Senadora Gleisi Hoffman (PT/PR), cuja relatoria, atualmente, está a cargo do Senador Vicentinho Alves (PR/TO). A proposta tem como objetivo vedar, se aprovada, a vinculação remuneratória entre subsídios de agentes públicos.

 

"A rejeição da proposta se afigura adequada em razão da ausência de ampla discussão sobre o ponto e visa a evitar desqualificação de carreiras tão importantes para a manutenção do Estado de Direito", destaca o dirigente da AMAPAR.

 

Confira abaixo o artigo na íntegra

 

Sob o título “A despretensiosa desvinculação dos subsídios“, o artigo a seguir é de autoria de Frederico Mendes Junior, presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar).



A Proposta de Emenda Constitucional n.º 62/2015, de autoria da Senadora Gleisi Hoffman (PT/PR), cuja relatoria, atualmente, está a cargo do Senador Vicentinho Alves (PR/TO), visa a alterar os artigos 27, 28, 29, 37, 39, 73 e 93, todos da Constituição Federal de 1988, com o objetivo de vedar, doravante, a vinculação remuneratória automática entre subsídios de agentes públicos.

 


Na justificativa apresentada à época da propositura, argumentou-se, em síntese, que alguns órgãos legislativos estaduais, em razão da atual estrutura remuneratória, aprovam legislações que promovem, de forma imediata, alteração da remuneração dos agentes públicos locais por força da atual vinculação automática com o plano federal.

 


Tal sistemática, de acordo com a justificativa, promove o chamado “efeito cascata”, situação que seria contrária ao interesse público por gerar, em tese, prejuízos às finanças do respectivo ente federativo e, ainda, por não propiciar debate local adequado sobre os impactos econômicos que as legislações representam.

 


Com base nessas razões, a proposta defende o fim da vinculação remuneratória automática, de modo que, a partir de sua eventual aprovação, passaria a ser exigível, em todo caso, a prévia existência de lei específica e local, dentro de cada âmbito, para o reajuste do subsídio dos agentes públicos.

 


Nada obstante as razões alinhadas, o projeto deve ser rejeitado.

 


O sistema de remuneração pela forma de subsídio foi adotado, no Brasil, por meio da Emenda Constitucional n.º 19, de 1998, estabelecendo-se, na mesma oportunidade, o regime de escalonamento entre cada âmbito.

 


No caso específico do Poder Judiciário (embora a proposta atinja todo o funcionalismo), tem-se por limite máximo do subsídio aquele que for recebido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, promovendo-se, a partir desse parâmetro, o escalonamento decrescente da remuneração dos demais integrantes do Poder Judiciário, a depender do cargo que ocupam.

 


A Constituição Federal, em seu artigo 93, inciso V, detalha que: (…) o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores. (destaque não original).

 


O sistema atual, portanto, adota a lógica derivada da isonomia, ao permitir que integrantes de uma mesma carreira, e do mesmo poder, desde que observados os percentuais constitucionalmente fixados no escalonamento, passem a ter equivalência remuneratória em todo território nacional, o que garante não só maior estabilidade, mas, sobretudo, maior transparência.
Diferentemente do que sugere a justificativa, a desvinculação da PEC, ao fragmentar o debate remuneratório de uma mesma carreira (entregando a discussão, por exemplo, para assembleias legislativas estaduais), confrontará o princípio da transparência.

 


A estrutura constitucionalmente idealizada para o subsídio da Magistratura, por meio do escalonamento e da vinculação, teve como um de seus pressupostos a centralização do debate acerca da remuneração no âmbito do Parlamento, assegurando-se que eventuais reajustes fossem tratados de forma clara pelo poder legislativo federal, o que se daria, de maneira fundamental, por meio de uma visão bastante ampliada sobre as projeções da remuneração na mesma carreira, incluindo todos os reflexos.
A atual sistemática de vinculação e escalonamento – cuja manutenção entende-se como adequada – não apenas promove debate mais qualificado sobre o impacto geral do reajuste, já que feito de maneira ampla no legislativo federal, como também garante, como outra vantagem, maior transparência quanto ao tema.

 


Não há dúvidas de que a centralização da análise remuneratória no Legislativo Federal facilita a informação para a população e reafirma, como deve ser, o papel essencial da Câmara dos Deputados e do Senado Federal no trato das matérias que sejam mais sensíveis ao interesse nacional (a exemplo da remuneração dos agentes públicos).

 


Por outro lado, caso a desvinculação venha a ser acolhida, haverá, como via de consequência, a substancial e indesejada fragmentação do importante debate remuneratório, tornando pouco transparente o tema, inclusive para valoração de suas imediatas implicações.

 


A aprovação redundará na autorização para que cada casa legislativa local, sem considerar a premissa de que a maioria das carreiras públicas possui o traço de unicidade, passará a deliberar sobre a remuneração dos agentes públicos, contexto que resulta no impedimento do modelo atual – e salutar – que permite e incentiva a discussão mais aberta e ampla a respeito da remuneração.

 


Sob o prisma da transparência, como primeiro argumento, entende-se que a fragmentação promovida pela proposta em análise, ao limitar o debate amplo e geral hoje feito, abre riscos para abusos.

 


A hipótese de desvinculação tratada na PEC n.º 62/2015, ao subtrair do legislativo federal o amplo debate sobre a remuneração de agentes públicos submetidos ao mesmo âmbito, permitirá a criação de desequilíbrios relevantes entre profissionais de mesma categoria, em razão de simples (mas injustificadas) razões territoriais, o que afronta a ideia da igualdade formal e substancial.
Nota-se que o conceito de igualdade, na perspectiva jurídica, embasada no princípio da isonomia, impede o tratamento diferenciado se a medida de distinção proposta estiver desacompanhada de motivos de razoabilidade, dentre eles o interesse público.

 


Previsto no artigo 5º, caput, da Constituição da República, a igualdade – em suas múltiplas projeções – representa direito fundamental que, por seu conteúdo material, se traduz em cláusula pétrea. Nesse viés, o mandamento constitucional deve ser encarado como um dos fatores de legitimidade da discussão das propostas legislativas.
Fixados esses parâmetros preliminares, cabe destacar que muitas das carreiras públicas (sem dúvidas a substancial maioria delas) deve preservar, entre todos os seus integrantes, a igualdade de tratamento de todos os seus membros, medida, aliás, que contribui para o interesse público por permitir maior coerência e estabilidade nos quadros funcionais.
A magistratura, como um dos mais proeminentes exemplos, é considera una e deve ser exercida em todo o território nacional por traço de sua essencialidade, de modo que os integrantes do Poder Judiciário, independentemente da localização geográfica que estejam, desempenham igualitariamente o mesmo papel central da prestação da Justiça, um dos pontos de sustentação do Estado de Direito.

 


Essa unicidade, no caso do Poder Judiciário, ainda se reforça com o fato de que ele se constitui em um dos três poderes que amparam a República.

 


Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3854, reafirmou que o Poder Judiciário tem um predicado que lhe é particular: não tem o mesmo desenho rígido do pacto federativo, na medida em que o exercício da Jurisdição é universal, dentro do território nacional.

 


Nas palavras do relator: “o Poder Judiciário, tem caráter nacional, não existindo, senão por metáforas e metonímias, ‘Judiciários estaduais’ ao lado de um ‘Judiciário federal’. A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca denominação, em Justiças, é só o resultado a repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos órgãos jurisdicionais.”

 


Daí ser possível concluir, com bastante segurança, que a PEC n.º 62/2015 promoverá inevitável violação à isonomia entre agentes públicos em situação análoga, ainda que pertencentes à mesma carreira, uma vez que promoverá tratamento remuneratório diferente em cada Estado da Federação, a depender da postura das respectivas assembleias legislativas
No caso da Magistratura, a medida obstará o seu salutar e histórico caráter de unicidade, elemento que, em princípio, poderá gerar questionamentos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a exemplo das balizas fixadas no julgamento anteriormente citado.

 


Referida proposta, assim, caso venha a ser aprovada, tende a ferir a importante regra da unicidade da Magistratura e de outras carreiras (como o Ministério Público), fato que juridicamente não é apenas desaconselhável pelo bom funcionamento das atividades públicas essenciais, como questionável, igualmente, pelo prisma jurídico.

 


Lado outro, ainda que se entenda pela aprovação do tema, é possível (e recomendável) que se mantenha o Poder Judiciário dentro da atual estrutura de vinculação, em razão do seu particular caráter de unicidade e de essencialidade.
O impacto que a proposta terá em relação ao princípio da proibição do retrocesso no campo remuneratório da Magistratura nacional merece atenção.

 


A conquista do subsídio com vinculação e escalonamento, como já afirmado, tem por um de seus pressupostos garantir a vital unicidade da Magistratura, notadamente porque a Jurisdição se exerce em todo território nacional, promovendo-se uma importante parte do acesso à justiça.

 


Por essa perspectiva, é acertada a conclusão de que vinculação ora debatida é espécie de reforço de garantia à independência funcional da Magistratura, que compreende, dentre outras, a irredutibilidade de subsídio, na forma do artigo 95, da Constituição da República.

 


Nessa ordem de ideias, a vinculação garante que não se criem distorções internas, dentro do próprio Poder Judiciário, a respeito de remuneração, de modo a evitar que determinados Estados – por razões variadas – obstem o reajuste devido, enquanto outros venham a aprovar. Tal distinção, aqui tratada apenas por caráter ilustrativo, demonstra que haveria violação, ainda que reflexa, à irredutibilidade dos subsídios nos Estados que optassem pela não recomposição, notadamente porque o comparativo de uma unidade federativa com outra apontaria, no caso ilustrado, para a diminuição real da capacidade aquisitiva de uma parcela da magistratura frente à outra.

 


O exemplo em questão, deste modo, comprova que a aprovação da proposta redunda na retirada (ou ao menos enfraquecimento) de importante garantia de determinadas carreiras públicas, em especial a Magistratura nacional.
Esses argumentos apontam, portanto, que a PEC n.62/2015 tem possível vício de inconstitucionalidade material, por violar o importante princípio da proibição do retrocesso, já reconhecido, no Supremo Tribunal Federal, como norma jurídica constitucional implícita e que justifica, por essa característica, o controle de propostas que sejam contrárias ao conteúdo desse princípio.

 


Assim, por promover o retrocesso no campo de garantias essenciais, a Proposta comporta rejeição por razões técnicas (dada a inconstitucionalidade) e também políticas (face às dificuldades que criará), embora não se ignore, como já adiantado, as boas intenções que moveram esse importante debate no Parlamento.

 


O texto merece discussão aprofundada com a participação efetiva das diversas entidades de classe representativas dos agentes públicos afetados, destacando-se, apenas por sugestão (sem prejuízo da inclusão de outras, caso se entenda pertinente), as entidades representativas dos interesses da Magistratura.

 


Cabe acentuar, de partida, que o impacto financeiro e profissional da proposta é relevante e bastante incerto, de modo que a oitiva de tais entidades contribuirá, de maneira efetiva, ao amadurecimento do complexo debate que a proposta envolve.
Cumpre ressaltar que a proposta, em última análise, pode afetar diversos pontos que merecem atenção, a exemplo da instabilidade da permanência de profissionais qualificados nos respectivos Estados.

 


Ante a ampla variação remuneratória de um Estado para o outro que se criará, caso a proposta venha a se concretizar, é de se esperar, com naturalidade, um possível cenário de instabilidade, com constantes mudanças de profissionais em busca de cenários que lhe sejam mais favoráveis (instabilidade hoje não presente, mas que pode vir a ser criada com a PEC), além da indesejada quebra da unicidade da magistratura, conforme antes adiantado.

 


Conclusão


A rejeição da proposta se afigura adequada em razão da ausência de ampla discussão sobre o ponto e visa a evitar desqualificação de carreiras tão importantes para a manutenção do Estado de Direito.

 


Eventual desvinculação, lado outro, não pode atingir a Magistratura, dada a sua particular característica (um dos três poderes de sustentação da República) que precisa, para seu eficaz funcionamento, ter preservada sua unicidade (característica que lhe é própria e que justificaria a distinção), o que se tem por impossível caso a proposta seja acolhida.

 


A criação de comissão específica, no âmbito do legislativo, a ser composta por especialistas e representantes de diversos seguimentos da sociedade, com o fim de contribuir com a discussão da matéria, pode permitir melhor estudo sobre o tema.

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