Sensação de pertencimento e acordo com a companheira fizeram Rui Cruz, o juiz de mais longeva carreira no 1º Grau, permanecer no seu “Cariri”

Rômulo Cardoso Terça, 31 Agosto 2021

Sensação de pertencimento e acordo com a companheira fizeram Rui Cruz, o juiz de mais longeva carreira no 1º Grau, permanecer no seu “Cariri”

Prestes a se aposentar, o juiz Rui Antônio Cruz, que completa 75 anos no dia 29 de setembro, leva consigo um marco que deve ser enaltecido – a longevidade na carreira de magistrado, com os quase 44 anos dedicados ao 1o grau.

 

 

Antes de pendurar a toga, o juiz bateu um papo com a AMAPAR. Sem arrependimentos, muitas experiências e a sensação de dever cumprido. “Se mais não fiz, foi pelas minhas limitações e não por falta de vontade e de disposição na árdua, porém, gratificante tarefa de, como agente da jurisdição, dizendo o direito, distribuir justiça”, afirmou.

 

 

Oras, com quase 40 anos de carreira na magistratura do Paraná, fica a pergunta. Quais fatores foram mais relevantes para Rui Cruz não galgar uma cadeira de desembargador do TJPR ? Ele mesmo responde e romantiza – duas vezes - ao citar trecho de uma música de Raimundo Fagner. “O último pau de arara”, a canção, serviu muito bem para definir qual seria o verdadeiro “Cariri” de Rui. E fica na região de Campo Mourão, cidade que até hoje o magistrado considera também uma “terra natal”.

 

Mas não apenas o apreço pela região fizeram Rui Cruz “permanecer”. A decisão teve boa influência de sua companheira e evitou um desconforto. Quer saber mais ? Confira na entrevista a seguir. 

 

 

Em breve o senhor se aposenta. Foram quantos anos de magistratura ? E, depois de tantos anos, qual o sentimento ? Dever cumprido ?

 

 

Rui Cruz - Foram mais de 60 anos de dedicação à causa da Justiça. Inicialmente como cartorário – mais de doze anos – posteriormente como advogado – mais de seis anos – e quase 44 anos de judicatura. Ao ser admitido como auxiliar de cartório me identifiquei muito com o ambiente e com tudo que me cercava.

 

Daí, permanecer nesse nicho, durante tanto tempo, até chegar ao ocaso da carreira, traz-me uma sensação de alegria e felicidade ao constatar que acertei na escolha profissional, no atendimento de um chamado, no atendimento vocacional. Tive grandes experiências, cresci muito como profissional do direito e mais ainda como ser humano, mercê do contato direto que sempre procurei manter com os jurisdicionados. Penso ter cumprido com a minha missão. Se mais não fiz, foi pelas minhas limitações e não por falta de vontade e de disposição na árdua, porém, gratificante tarefa de, como agente da jurisdição, dizendo o direito, distribuir justiça.


Pergunta que o senhor deve ter respondido várias vezes. O que motivou a permanência no Interior ?

 

Rui Cruz - Sabe, tem uma canção de Fagner , "O último pau de arara", lançada em 1973, que diz “...quem sai da sua terra natal em outro canto não para, só deixo o meu Cariri no último pau de arara”.


 

Pois então, como fruto de pai cearense, mãe paulista, nascido em Bento de Abreu, criado em Araçatuba, formado em Bauru, tudo em São Paulo, advogado em Assis Chateaubriand, aqui no Paraná, ao ingressar na magistratura e iniciar o périplo natural da carreira – Juiz Adjunto em Loanda, Nova Londrina, Santa Izabel do Ivaí, Palmital, posteriormente como Juiz de Direito em Pérola, Santa Mariana e finalmente em Campo Mourão - comecei a sentir que estava perdendo as raízes e precisava de uma terra para tê-la como “a natal” e resolvi adotar Campo Mourão como o “Meu Cariri”.


 

A receptividade de que fui alvo, tanto dos colegas que aqui judicavam na ocasião, especialmente Emílio Prohmann, Ruy Thomaz, Rieke, de saudosa memória, como por Paulo Hilgemberg eRonald Moro, e comunidade, reforçaram, sobremaneira a minha escolha, a escolha de Campo Mourão, o “Meu Cariri”.

 

Nunca passou pela cabeça do senhor galgar uma cadeira de desembargador ?

 

Rui Cruz - Então... tenho o maior respeito aos Desembargadores do nosso TJ e no decorrer da carreira procurei me espelhar na conduta de muitos deles.


 

Mas não me lembro bem, mas acho que foi por volta de 1985/1986, quando já estava a quatro anos na intermediária, surgiu a oportunidade de promoção para a final. Nessa ocasião troquei ideia com a Ana (companheira) a respeito e pendi por Maringá, mas ela como londrinense queria retornar à sua terra.

 

Por algum tempo, ainda que curto, debatemos o tema. Não houve acordo. Para evitar eventual desconforto entre nós, ela dentro da sabedoria própria das mulheres indagou: “Precisa ir?” respondi que não e, ela, por estar absolutamente entrosada na comunidade sentenciou: “Então vamos ficar!”. E eu, sempre pensando no meu “Cariri” chancelei, “quando você quiser ir embora daqui me fala!”.

 

Pronto. Passamos a viver ainda mais intensamente Campo Mourão, participando de Clubes de Serviço, comunidade religiosa, esportiva, etc., a ponto de ser descartada a cadeira de Desembargador. Registro que não me arrependo da decisão tomada. E, aqui, permanecemos até hoje.

 

Como se adaptou ao teletrabalho na pandemia ?

 

Rui Cruz - Ao teletrabalho, em si, não encontrei muita dificuldade. O difícil foi aceitar ficar privado da energia positiva que, naturalmente, emana dos jovens, da convivência da equipe maravilhosa, comprometida e coesa que compõe a nossa unidade judiciária, o Juizado Especial.

 

 


Aliás, sempre que aportava um funcionário, um conciliador, um Juíz Leigo ou mesmo um estagiário, fazia uma entrevista com o novato e dizia a ele que embora o Fórum fosse um local próprio para beligerância de direitos, dentro do nosso espaço – a Secretaria - devia ser um local de congraçamento, de alegria, de companheirismo, mesmo porque passamos mais tempo ali do que na própria casa com a família.

 

Algum arrependimento durante a carreira ou faria tudo de novo, da mesma forma ?

 

Rui Cruz - Arrependimento nenhum, até porque, conforme enfatizei em resposta anterior, atendi a um chamado vocacional. Faria tudo de novo, todavia, admito que algumas coisas poderiam ser feitas de forma diferente, em que pese a minha convicção de que o resultado seria o mesmo.

 

Tem aquele “causo” do General que entrou no quartel e a sentinela, além de estar fumando, com a gandola desabotoada, o quepe posto em diagonal na cabeça, enfim, todo desarrumado não deu a mínima para o Oficial.


 

O general passou, deu alguns passos e percebendo o desleixo da sentinela, voltou e com voz enérgica lhe disse:


- Soldado, você não sabe que deve apresentar arma quando passar pelo seu posto Oficial Superior?


A sentinela, sentindo a repreensão verbal e já pensando na punição que viria a sofrer, se recompôs e pediu desculpas.


E o general com muita tranquilidade lhe respondeu:


- Eu não me importo, já está próxima a minha expulsória, mas está vindo um capitão ai atrás que, ao vê-lo dessa forma lhe trará muitos problemas”.

 

É assim. No início da carreira, conquanto tivéssemos o necessário conhecimento técnico, tanto que fomos aprovados em concurso dificílimo, ainda não tínhamos a segurança proporcionada pela experiência que hoje temos a nos acenar de que poderíamos alcançar os mesmos resultados com outro modo de comando.

 

Lembro que “ ...nos gloriamos nas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz perseverança; a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança. E a esperança não nos decepciona, porque Deus derramou seu amor em nossos corações...” Romanos 5:3-5.

E então, quais os planos para a aposentadoria ?

 

Rui Cruz - Especialmente, dedicar-me à família e cuidar da propriedade agrícola que possuo na região.

 



E quais as diferenças mais perceptíveis no sistema de Justiça e na magistratura, no perfil dos magistrados, se comparadas com o tempo de sua posse e atualmente ?

 



Penso que a grande diferença da magistratura da década de 70/80 com a atual está na aproximação do Juiz com o jurisdicionado. Recordo que os Juízes antigos eram mais reservados, mais retraídos. Hoje não me parece que os Magistrados sejam assim. São mais participativos, mais receptivos. Você poderia me perguntar: Foi bom ou ruim? Foi bom porque o jurisdicionado pode melhor avaliar a conduta do seu julgador em comunidade, mas ao mesmo tempo foi ruim porque perdeu-se aquela majestade (vamos dizer assim) que o cargo carregava, o Juiz se tornou alvo de críticas e não raro objeto de desrespeito.

 

 


Houve um período em que o estudante terminava o curso de Direito e já podia prestar concurso para Juiz. Acho que isso, com exceções é claro, impactou a magistratura. Com a volta da exigência de, no mínimo, 3 anos de efetivo exercício de atividade judicial, as coisas se equipararam.

 

Tem hobbies, quais os principais ?



Rui Cruz - Gosto muito da vida rural e de plantar flores, hortaliças, arvores, etc. Como disse, tenho uma propriedade rural em município vizinho a Campo Mourão na qual penso em dedicar-me a tais atividades, até porque o foco, nessa propriedade rural é a pecuária.

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