Juiz Edu Perez, autor de post “Servidores Públicos não são ladrões”, que viralizou na internet, fala à AMAPAR sobre o atual momento da magistratura

Rômulo Cardoso Terça, 20 Setembro 2016

Juiz Edu Perez, autor de post “Servidores Públicos não são ladrões”, que viralizou na internet, fala à AMAPAR sobre o atual momento da magistratura

O juiz Eduardo Perez Oliveira, do Tribunal de Justiça do estado de Goiás, usou seu perfil do Facebook para contrapor a opinião do ex-presidente Lula, que teceu críticas aos funcionários públicos. Sob o título de “Servidores Públicos não são ladrões”, o magistrado Edu Perez, como é conhecido pelos seus pares, ganhou elogios, curtidas e muitos compartilhamentos.

Ao falar com a AMAPAR sobre as críticas infundadas do ex-presidente, que recentemente foi denunciado pelo Ministério Público Federal na Operação Lava-Jato, o magistrado avaliou também as declarações, muitas vindas de políticos investigados, à magistratura. “Calar o Judiciário, aviltar os juízes com o intuito de afastar a aplicação da lei é uma forma de atacar a própria Democracia e tirar do povo este poder maior de questionar seu próprio governo”, destaca.

Confira a entrevista a seguir.

AMAPAR - Como o senhor avalia as críticas à magistratura, apelativas e sem argumentos, de personagens políticos, alvo de processos, principalmente no atual momento de turbulência política no país?

EDU PEREZ - Penso que devemos lembrar que a magistratura é e deve sempre permanecer apartidária, não só por um dever de ética, mas da própria essência do Poder Judiciário. O compromisso do magistrado é com o povo e a Constituição Federal, que jurou defender.

É evidente que as decisões judiciais não estão isentas de críticas, e estas críticas são relevantes quando buscam aprimorar o sistema. Todo ser humano tem em si um senso de justiça, e é natural que compare esse senso com aquilo que vê e que ocorre e considere determinado ato justo ou injusto.

Mas há uma diferença entre criticar o sistema de justiça e se atacar o Judiciário enquanto Poder em busca da impunidade. Em uma República, ninguém pode se considerar impermeável à lei, não importa sua posição política ou financeira.

A pressão é uma constante na vida do juiz. Justamente porque há aqueles que querem fazer prevalecer seus interesses acima da lei e dos demais cidadãos é que a figura de um julgador imparcial se torna importante.

As prerrogativas da magistratura, como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, seguem na linha de garantir que o magistrado tenha autonomia para decidir dentro da lei inclusive contra eventuais interesses ilícitos dos poderosos, seja esse poder político ou econômico.

No passado, sem essas prerrogativas, juízes foram perseguidos e perderam seus cargos. Em países de regime ditatorial o Judiciário não é um Poder, se não um anexo do Executivo.

Eu insisto em dizer que o Judiciário é entre os Poderes aquele que permite o exercício da democracia direta, porque viabiliza a qualquer do povo deduzir sua pretensão até mesmo contra o próprio. Em outras palavras, o Judiciário permite que o cidadão tenha um megafone e seja ouvido, caso entenda que algum direito seu esteja sendo violado.

Nesse caso, calar o Judiciário, aviltar os juízes com o intuito de afastar a aplicação da lei é uma forma de atacar a própria Democracia e tirar do povo este poder maior de questionar seu próprio governo.

AMAPAR - Hoje, para que a magistratura mantenha a máxima postura profissional, ao julgar figuras políticas, o que é o senhor considera imprescindível?

EDU PEREZ - Como mencionei anteriormente, a magistratura é e deve se manter apartidária por sua essência. Além disso, o juiz não julga pessoas, e sim fatos. Num processo o magistrado não olha a pessoa, e sim as provas, verificando se aquilo de que se acusa realmente ocorreu (materialidade) e se o réu praticou (autoria). Qualquer outra característica não é levada em consideração para se apurar a culpa.

Alguns réus, em razão de seu poderio político e/ou econômico, buscam apelar para o emocional da população, alegam perseguição pessoal e outros elementos que eles mesmos têm ciência que não são reais, isso quando não insuflam seus correligionários contra o julgador, tudo na intenção de desestabilizar o julgamento e permitir a impunidade.

Uma das virtudes que um juiz deve cultivar é a temperança, e isso é regra entre os colegas. O magistrado está vedado de emitir opiniões sobre processos em andamento, e também uma série de outras condutas lhe são vedadas para garantir não só a imparcialidade real, como a necessária imagem da imparcialidade.

Em razão disso, contando com as limitações éticas do magistrado, não raro réus em situação de poderio se valem do espaço que possuem para atacar o juiz publicamente, oferecer denúncias vazias e outras técnicas reprováveis de pressão.

É importante que a população entenda que um Judiciário independente é um Judiciário que protege a Democracia. Por outro lado, toda fragilização do Judiciário é um risco à própria República.

Nesse ponto a mídia responsável se mostra essencial como elemento de publicização dos fatos, informando aos cidadãos aquilo que acontece. É mister destacar que, assim como é característica de uma democracia estável um Judiciário forte, também o é uma imprensa livre e atuante.

AMAPAR - Como o senhor avalia a atuação das associações de magistrados na defesa de prerrogativas e o relacionamento que o senhor tem com a AMAPAR?

EDU PEREZ - Estamos num momento complexo no Brasil, sendo exigido das instituições da República uma maior seriedade e austeridade.

Infelizmente, o Judiciário tem sido continuamente atacado até mesmo de forma institucional, com tentativas reiteradas de fragilizar as prerrogativas da magistratura, que são cláusulas pétreas por constituírem interesse da própria nação.

Assim, precisamos urgentemente de uma constante e ativa representação nacional capaz de defender a magistratura e, consequentemente, a própria nação. Sem um Judiciário forte não há República, e o mundo atual tem mostrado isso. Como comentei, os pleitos do cidadão passam pelo Judiciário como forma de exercício de democracia direta, e as tentativas de suprimir a atuação jurisdicional equivalem a calar o povo.

É certo que temos conhecimento de grandes representantes estaduais que lutam com pujança pela magistratura.

Dentre esses representantes, já me referindo à AMAPAR, cito o colega Frederico Mendes Júnior. Tenho amigos na magistratura paranaense e ouço constantes elogios à sua atuação, sua proximidade com os juízes e sua constante preocupação com a classe

 


SERVIDORES PÚBLICOS NÃO SÃO LADRÕES

 

Juiz Edu Perez - TJGO

Para meu espanto, hoje me deparei com uma frase supostamente dita pelo Sr. Luis Inácio Lula da Silva, a saber:

“O político, por mais ladrão que seja, todo ano tem que enfrentar o povo, sair na rua e pedir voto. O funcionário público não. Ele faz concurso e fica lá, com o cargo garantido, tranquilo”

Eu fiquei em dúvida se era verdade, já que tem tanta mentira por aí sendo espalhada. Chegaram a inventar, vejam só, que os procuradores tinham dito não possuir provas contra o Sr. Luis Inácio, somente convicção, o que é uma tremenda inverdade. Não se pode mesmo acreditar em tudo na internet.

Verdade ou mentira, fiquei aqui pensando se essa frase faz sentido.

Eu estou Juiz de Direito, aprovado em concurso público, também em outros cargos antes de lograr esta graça. Como a memória da gente é falha, eu me esforcei para lembrar como foi o processo.

Conferi, cuidadosamente, se eu não tinha sido financiado por alguma empreiteira. Também verifiquei se eu não tinha obtido meu cargo desviando dinheiro de alguma empresa pública, fazendo aí um caixa 2 para me apoiar. Pode ser a idade, mas não me veio à memória disso ter acontecido.

O que me recordo é do esforço dos meus avós, dos meus pais e dos meus familiares, mas muito esforço mesmo, para garantir educação, sem luxos. Também não me é familiar ter participado de esquemas ou ajustes partidários. Não dava tempo, saindo de casa para trabalhar às sete da manhã e voltando às nove, dez horas da noite, só com o horário do almoço para abrir os livros e enfrentar o escárnio.

Eu lembro de ter estudado muito, da frustração em razão do pouco tempo, das dúvidas se algum dia eu chegaria lá. Eu me recordo bem do dia da minha prova oral, num estado onde não conhecia ninguém, tremendo diante dos examinadores de uma banca absolutamente imparcial presidida pelo Desembargador Leandro Crispim.

Quem sabe estaria mais calmo se eu tivesse feito coligação, se uma mão lavasse a outra, se algum ajuste, talvez aquele esquema... Mas não daria certo. Veja você que eu estava prestando um concurso público e até a fase oral eu não tinha rosto, e a banca (que injustiça!) também era formada quase que absolutamente por gente concursada, magistrados aprovados em um concurso semelhante.

Não iria adiantar caixa 2, apoio parlamentar, conversa de bastidor. Eu estava ali para ser examinado imparcialmente pelos meus conhecimentos. Era só Deus e eu.

Vai ver, pensei, que meu caso é um daqueles fora da curva, uma das tais histórias malucas. Quem sabe a regra não fosse a interferência política e econômica nos concursos?

Conversei com vários colegas juízes e, fato estranho, todos confirmaram que não fizeram caixa dois, nem coligação, nem tiveram conversas de bastidores. Estudaram, com muito esforço, alguns com privação, e foram aprovados em um concurso impessoal e imparcial.

Para não dizer que é coisa de juiz, essa tal elite, falei com meus amigos procuradores, promotores, escreventes, oficiais de justiça, policiais civis e militares, delegados, professores, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e tantos outros aprovados em concurso público de provas e títulos.

Todos deram a mesma resposta: lograram êxito após muito estudo, de forma limpa e transparente.

"Mas nenhuma empreiterazinha?", insisti. "Quem sabe alguma verba de emporesa pública?". Não. Foi estudo mesmo.

O mais curioso é que todos tiveram que apresentar certidão de antecedentes criminais, logo, nenhum podia ser ladrão. Nem ladrão, nem outra coisa. Algumas carreiras fazem sindicância de vida pregressa. Ai do candidato que não possui um passado ético, com certeza não entraria pela estreita porta do concurso público.

Aproveitei e, ainda meditando sobre a frase, me peguei pensando se todo ano, ou melhor, a cada quatro anos (alguns, oito), eu precisava enfrentar o povo.

Realmente, se o Sr. Luis Inácio disse isso, ele está certo. Eu não enfrento o povo anualmente. Aliás, eu não enfrento o povo. Não tenho medo da minha gente, nem litígio com ela. Eu sou povo também. Pode parecer surpresa, mas concursado faz parte da nação.

Eu não enfrento, eu atendo. Eu recebo preso. Eu recebo mãe de preso, pai, vó, filhos, esposa de preso. Recebo conselheiro tutelar. Recebo advogado. Recebo as partes também. Ouço a vítima do crime, ou, em situações mais tristes, os que sobreviveram a ela. Eu vejo o agrícola que vai pedir para aposentar. Vejo o cidadão que não tem medicamento, da mãe que busca escola pro filho, o neto que busca uma vaga de UTI pro avô.

Eu cansei de ver o piso do fórum gasto de passar tanto calçado, de chinelo usado a sapato caro, de gente que vê no Judiciário seu único porto seguro. Gente que não conseguiu vaga em escola, em creche. Que não conseguiu remédio. Que se acidentou na estrada esburacada. Que trabalhou nesse calor inclemente do Centro-Oeste por quarenta anos ou mais, com a pele curtida de sol, e quando foi pedir aposentadoria disseram a ele que não tinha prova. Não sou quiromante, mas eu aprendi a ler a mão e o rosto desse povo. Aprendi a falar a língua deles, não porque eles vão votar em mim, mas porque é minha obrigação para aplicar a lei.

Essa mesma gente que os políticos enfrentam (enfrentam, vejam vocês!), segundo a tal frase, eu atendo todo dia. É meu dever, e com que prazer eu realizo esse dever!

Eu atendo essa gente que vem acreditando há décadas nesses políticos que, como um fenômeno natural, aparecem apenas de forma episódica e em determinadas épocas. Um povo que acreditou que teria saúde, educação, segurança, lazer, trabalho, aposentadoria, dignidade e tantos direitos básicos só por serem gente, mas não tem.

Esse mesmo povo que vota, que deposita na urna sua esperança, a recolhe depois despedaçada, cola o que dá e procura o promotor ou o defensor público, servidores concursados, quando não um nobre advogado dativo ou pro bono, para pedir ao juiz esse direito sonegado. São os concursados que garantem esse direito.

São os juízes que aplicam a lei criada pelos políticos eleitos para o Legislativo, e nessas horas em que a lei é dura e talvez não tão justa, quando devemos fazer valer o seu império, só nos resta ouvir e consolar.

Juízes, é preciso dizer, não são máquinas, porque nessas engrenagens desprovidas de coração que formam o sistema, é a nossa alma que colocamos entre os dentes do engenho para aplacar seu cruel atrito.

E quando estamos sozinhos, nós sofremos, nós choramos, porque lidamos também com a desgraça do povo, do nosso povo, do povo do qual fazemos parte e que não enfrentamos, mas atendemos.

Perguntei aos meus amigos promotores, defensores, escreventes, analistas, oficiais de justiça, professores, policiais, guardas civis metropolitanos, agentes carcerários, bombeiros, militares, médicos, agentes de saúde, enfermeiros e tantos outros, se eles por acaso enfrentavam o povo, mas me disseram que esse povo eles faziam era atender.

É também a alma deles que lubrifica essa máquina atroz que é o sistema.

É à custa da alma do concursado que o Estado se humaniza. Que o digam nossas famílias, nossos amigos... que digamos nós, quando abrimos mão de tanta coisa para cumprir nossa missão, quando para socorrer um estranho muitas vezes alguém próximo a nós precisa esperar.

Forçoso que se concorde, nós não enfrentamos o povo a cada dois, quatro anos. Nós o atendemos dia e noite, nós olhamos seu rosto, tentamos aplacar sua angústia em um país em que tudo falta, quando um médico e sua equipe não tem nem gaze no hospital público.

E fazemos isso porque amamos nossa profissão, seja ela qual for, não porque precisamos de votos. Nós chegamos onde chegamos com dedicação, não com esquemas, e sem lesar o patrimônio público ou a fé da nação.

São servidores públicos concursados que estão descobrindo as fraudes que corroem nosso Brasil, do menor município à capital do país, e serão servidores públicos concursados a julgar tais abusos. São servidores públicos concursados que patrulham nossas ruas, que atendem em nossos hospitais, que ensinam nossas crianças.

Nós não precisamos prometer nada para o povo, nós agimos.

Realmente, é preciso temer pessoas que possuem um compromisso com a ética, não com valores espúrios.

#servidorespublicosnaosaoladroes

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