OPINIÃO - Artigo de autoria do magistrado Eduardo Perez Oliveira, juiz de Direito em Goiás

Rômulo Cardoso Quarta, 16 Setembro 2020

OPINIÃO - Artigo de autoria do magistrado Eduardo Perez Oliveira, juiz de Direito em Goiás

Sob o título “Precisamos falar sobre um juiz no Supremo“, o artigo a seguir é de autoria de Eduardo Perez Oliveira, juiz de direito em Goiás. (*)

 

Quem cuida melhor da saúde de alguém, o médico ou o piloto?

 

Há 2500 anos Platão respondia n’A República que quem melhor cuida da doença é o médico, quem melhor navega é o piloto e quem melhor assenta tijolos, o pedreiro.

 

Parece óbvio, pois é preciso escolher a ferramenta certa para cada trabalho. Ninguém toma uma sopa com garfo.

 

Um oficial sabe que um dia pode chegar a general.

 

O promotor de justiça sabe que pode se tornar procurador de justiça ou até procurador-geral de justiça. O mesmo vale para procurador de estado, defensor público, delegado…

 

O presidente da Câmara ou o do Senado é sempre eleito entre seus pares, assim como o são o da classe dos advogados, dos médicos, dos engenheiros…

 

Como ninguém colhe manga em macieira, não se espera que o presidente dos advogados seja um arquiteto.

 

Imagine se o general fosse escolhido aleatoriamente pelo Presidente da República. Vai que ele tenha aquele primo ou o sobrinho que “sempre gostou desse negócio de guerra no videogame”.

 

Se em todo lugar é assim, no Judiciário deve ser a mesma coisa, né? Não.

 

O Supremo Tribunal Federal é a cúpula do Judiciário. É formado por onze ministros escolhidos pelo Presidente da República, devendo ser brasileiro nato, e, no art. 101 da Constituição Federal, (i) ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, (ii) notável saber jurídico, (iii) reputação ilibada… e só.

 

O juiz de carreira não é indicado. Seu único mérito é o de ter estudado e sido honesto, pois, diz a Constituição em seu art. 93, I, que para ser juiz é preciso (i) aprovação em concurso público, (ii) bacharelado em direito, e, (iii) no mínimo, três anos de atividade jurídica.

 

Aprovado, ficará dois anos em período de teste ao final dos quais poderá perder o cargo caso não apresente qualidades necessárias.

 

É o juiz concursado que ouve as partes e as testemunhas, que tem contato direto com as provas e com o Brasil real. Após o seu julgamento, as demais instâncias da justiça verão apenas papel, não gente.

 

Cabe a ele visitar presídios e abrigos, preparar relatórios, atender aos que lhe procuram, buscar solução aos problemas que lhe são apresentados, coordenar os servidores que prestam serviço na unidade, e tudo isso mantendo os atributos próprios de um juiz: a temperança, a imparcialidade, a urbanidade, a coragem… Sim, porque são eles os que são ameaçados e perseguidos com risco próprio e de sua família.

 

O juiz de carreira entra pelo concurso sem apadrinhamento e treina o seu olhar para a imparcialidade, para reconhecer vícios e verdades, e garantir que a lei seja respeitada para, e por, todos, não só para um dos lados ou quando for conveniente.

 

Deve ser coerente, não mudando de entendimento sem explicações, pois sabe que a ausência de constância gera insegurança e injustiça.

 

Sem qualquer demérito, quem pede defende sempre um ponto de vista de seu interesse, mas quem julga tem que ser imparcial e coerente.

 

E essa arte de julgar não é inata, ela se desenvolve após anos de prática e preparo.

 

O juiz concursado atende gente, faz audiência, colhe as versões do acusado e da vítima, pondera sobre o que está no processo, e, principalmente, é treinado para fazer justiça, e não política.

 

Não por acaso se pretende impor uma quarentena de oito anos para que concorram a cargos públicos caso deixem a magistratura.

 

Tal não se cogita àqueles que pretendem uma vaga por indicação no Judiciário. Seria prudente que se exigisse que, ao menos por oito anos, esses candidatos nunca tenham exercido função político-partidária, cargo em comissão no Legislativo ou no Executivo, advogado para políticos ou partidos políticos ou de qualquer forma atuado em questões partidárias.

 

Mas tudo isso se resolveria com a indicação de um juiz de carreira para o Supremo com pelo menos duas décadas de experiência.

 

É tempo mais que suficiente para conhecer a forma como esse magistrado se comporta e julga, se é constante, como pensa e como age, qual seria seu curriculum acadêmico e seus atos.

 

Além disso, como aos juízes é vedado sequer manifestar opinião político-partidária, não teria qualquer vínculo com partidos, mantendo-se imparcial.

 

Não se está aqui demonizando a política, ela é importante, mas é também parcial. Os políticos são eleitos com base em bandeiras que queiram que defenda: liberação de drogas, porte de armas, meio-ambiente, agropecuária…

 

O político, assim como o militante, assume partido, portanto, é parcial.

 

Somente o juiz deve ser, por força da função, imparcial, não movido por paixões ou ideologias, mas em conformidade com a lei.

 

Se para tratar de um dente vamos ao dentista, não ao padeiro, para erguer uma casa procuramos um pedreiro, não um médico, se quando vamos voar queremos um piloto, não um músico, natural que o topo da carreira da magistratura seja ocupado por alguém que sabe na prática e na teoria, e não só na abstração de salas climatizadas, o que é julgar e quais as consequências de uma decisão judicial para a sociedade.

 

Sem demérito a nenhuma carreira, a qualquer ministro ou desembargador indicado pelo chefe do Executivo e os seus bons préstimos ao país, o momento histórico é outro e pede que se siga a lição dos gregos de dois mil e quinhentos anos atrás: que a experiência, o mérito e a competência no ato de julgar sejam exaltados.

(*) O autor é membro da diretoria do Fonajuc – Fórum Nacional de Juízes Criminais.

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